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Yndara Vasques Lima

Por um plano diretor humanizado e ambientalmente equilibrado

Oitenta e nove vezes aparece a palavra desenvolvimento na proposta de revisão do plano diretor. Mas desenvolvimento pra quem?


Upaon Açu - Sem lendas, sem histórias, sem poesia, sem amorosidade. A população de São Luís enfrenta uma grave, desrespeitosa e adversa realidade. A falta de comprometimento da administração pública e da inoperância da Câmara Municipal de São Luís em fiscalizar o executivo, para o cumprimento da atualização do Plano Diretor, agrava o contexto social, ambiental e econômico da cidade dos azulejos.


Há quatro anos sem revisão, o Plano Diretor segue atendendo aos interesses políticos e financeiros dos grandes empreendimentos que por aqui facilmente se instalam na grande Ilha. Com a aproximação das eleições, é preciso que os vereadores e o prefeito eleitos, se comprometidos com a população, assegurem um diálogo democrático, claro sem excessos dos termos técnicos que nada fomenta o debate das pessoas envolvidas sobre o Plano Diretor. Por outro lado, a consciência na hora do voto por parte dos cidadãos, será determinante para seguir com o mesmo pleito ou renovar a Câmara Municipal, tendo como fator determinante o comprometimento e a viabilidade das propostas de campanha apresentadas ao longo do período eleitoral.


Em uma tentativa antidemocrática, a Prefeitura de São Luís iniciou o processo de revisão do Plano Diretor. O processo previa 8 audiências. O Ministério Público Estadual (MPE-MA) e a sociedade civil pediram um número maior e mais divulgação à época. A Prefeitura acatou e estabeleceu 15 audiências - destas, 13 foram realizadas. O processo foi cancelado pelo MPE, devido a pressão dos Movimentos Sociais, que determinou que se discutisse, de maneira mais ampla, o Plano Diretor. Desafio para a próxima gestão da Câmara Municipal: fiscalizar o processo do legislativo.


Participação popular


Como o plano diretor pode impactar e melhorar a vida do cidadão? A começar pela construção coletiva e democrática que leve em consideração os anseios da comunidade frente ao desenvolvimento municipal. É uma lei proposta pelo executivo municipal e aprovada pela Câmara Municipal, mas somente considerada legal a partir da participação popular. Teoricamente, a população diz o que quer! Deveria ser assim, mas o pesquisador da Universidade Federal do Maranhão e integrante do Movimento de Defesa da Ilha, geógrafo Luiz Eduardo Neves dos Santos, alerta para a exclusão da participação popular.

Luis Eduardo Neves - Mov. em Defesa da Ilha / Foto: Arquivo Pessoal 

O advogado ambientalista Guilherme Zagallo, em entrevista a Agência Tambor, explicou que a alteração do Plano Diretor é apenas o primeiro passo dos agentes do capital em São Luís. O objetivo é, na sequência, assegurar a alteração na Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano, essa sim, mais detalhada, capaz de alterar a utilização do território, permitindo, por exemplo, construções em áreas de preservação, e a instalação de empreendimentos degradantes num ambiente de equilíbrio ecológico delicado, que é o de uma ilha, tudo como forma de maximizar a exploração do espaço e das pessoas. Vale ressaltar que pela proposta da revisão ficaram de fora questões essenciais como: mobilidade urbana, saneamento, infraestrutura de saúde, moradia, lazer e educação, uso e ocupação do solo.


Conservação ambiental - água e ar


Dona Maria da Conceição Guterres moradora do centro histórico de São Luís há quase 50 anos, cresceu e se acostumou com os problemas urbanos. “Desde os cinco anos, via a minha mãe armazenar água. Hoje, minha filha é que faz isso. Nada foi feito para um problema que acredito que seja fácil de resolver”, desabafou.


Ela e milhares de moradores de São Luís enfrentam o problema da falta de água. Mas não é somente a falta d´água, não há saneamento básico, o escoamento sanitário é precário, não há estações de tratamento de esgoto satisfatórias, o transporte público é caótico e caro, as contas de água e energia são onerosas, a acessibilidade é quase inexistente, os espaços públicos de lazer são raros e os assentamentos informais não param de crescer.


A espera pela água é diária. O problema da falta d´água na cidade é crônico e antigo. Dona Maria  há quase 50 anos cresceu e se acostumou com os problemas urbanos./ Foto: Yndara Vasques Lima

A cidade de São Luís, por exemplo, já possui mais de um milhão de habitantes. Para atender a toda essa demanda, a busca por água subterrânea de boa qualidade tem se intensificado. Vários núcleos urbanos como residências, indústrias, escolas, hospitais e outros são abastecidos com água de poços tubulares e escavados de forma regular ou complementar. “O uso intensivo e não planejado do solo, no entanto, tem provocado vários níveis de degradação ambiental, principalmente do solo e dos recursos hídricos. O homem vem ocupando os espaços geográficos indiscriminadamente, sem o prévio conhecimento de suas vulnerabilidades e potencialidades”, alerta Ediléa Pereira, coordenando o estudo "Zoneamento da susceptibilidade a infiltração da água nas áreas de recarga do aquífero Barreiras do manancial do Sistema de Abastecimento de Água do Paciência em São Luís".

Seu Manoel Dias morador do Anjo da Guarda. Ele aos 60 anos viu a área verde do bairro ser destruída. O ar puro que respirava foi tomado por uma poeira amarronzada de minério. O Movimento em Defesa da Ilha alerta para os índices de poluição em São Luís que já ultrapassam todos os limites legais. A proposta do Plano Diretor é incentivar ainda mais a chegada dos empreendimentos, comprometendo ainda mais a qualidade de vida da população de maneira geral: desde a poluição do lençol freático até o ar.


A retomada da Usina de Pelotização da Vale acrescentou entre três e quatro mil toneladas de poluentes na Ilha. A geração de energia por termelétricas também avança no ambiente insular: além da hoje existente, que se utiliza da queima de carvão, tem outra prevista, a gás, também em São Luís.

Guilherme Zagallo - Advogado. Foto: Reprodução / TV Senado 

"A revisão do plano diretor traz as digitais da falta de democracia e da “mão invisível do mercado” – especificamente da construção civil e da indústria pesada com forte lobby junto a autoridades, atropelando discussões mais profundas para fazer aprovar um projeto que pode acabar com áreas de preservação como o Maracanã e diminuir toda a área verde na zona rural em mais de 40%." - alertou o advogado ambientalista.


Redução da área verde


A criação de áreas de preservação ambiental tem sido uma estratégia para a conservação dos mananciais de água doce. Uma estratégia que conservaria esse recurso natural. Mas vai ao encontro do que propõe o plano diretor.


Um dos focos da revisão é reduzir em 40% a zona rural de São Luís e transformar em área urbana. O documento propõe ainda, a redução das áreas de dunas e de recarga de aquíferos entre outros desrespeitos com o ser humano e meio ambiente. “Precisamos ter nosso modo de vida respeitado, precisamos do nosso território conservado e seguir com o nosso bem viver”. O pedido é do pescador Davi de Jesus Sá do Cajueiro. Ele e centenas de famílias estão ameaçadas pela expansão portuária, das atividades industriais e de outros equipamentos de infraestrutura, associados com o projeto de revisão do Plano Diretor de São Luís.

De acordo com pesquisadores da Universidade Federal e Estadual do Maranhão e lideranças comunitárias, a atual gestão da prefeitura propõe um Plano Diretor para servir, exclusivamente, à avareza irracional de grandes empreiteiros e megaempresários conforme denuncia artigos científicos publicados sobre o assunto. Outra deficiência do novo Plano Diretor apontada por representantes do Conselho da Cidade de São Luís, é a base cartográfica desatualizada, de 2009, utilizada para embasar o estudo do plano.

Alteração no modo de vida


O modo de vida das pessoas que residem na zona rural com a aprovação no Novo Plano Diretor sofrerá impactos profundos. O que significa para uma comunidade tradicional ser considerado morador da zona urbana? Essas pessoas têm estrutura psicológica, social e financeira? Querem e estão preparadas para terem tarifas energéticas mais caras, não poder ter criação de animais de médio ou grande porte, a possibilidade de ser vizinho de indústrias e conviver ao lado de agentes poluidores? Essas são algumas das consequências da vida urbana.


Dona Máxima Pires, do Rio dos Cachorros, comunidade de 200 anos, é resistência. Ela denuncia que na década de 80, a região já sofreu bastante com a chegada de empreendimentos como Vale, Alumar, empresas de fertilizantes entre outras. Alerta para a redução da zona rural de São Luís proposta pelo Plano Diretor. “A comunidade do Rio dos Cachorros segue resistindo por meio da agricultura, da pesca e do extrativismo de mariscos e crustáceos” afirmou.

“É uma cidade sem participação e transparência, dois aspectos fundamentais da gestão púbica democrática, deixa muito a desejar”, enfatizou o pesquisador e professor Horácio Antunes. Ele publicou artigo intitulado Complexo Portuário, Reserva Extrativista e Desenvolvimento no Maranhão, alertou sobre a noção específica de desenvolvimento, que não considera os modos de vida locais e opera com a possibilidade de deslocamento populacional. Esses processos têm de se defrontado com formas de resistência local que, na busca de garantia do controle de territórios e desafiando a noção dominante de desenvolvimento, encontraram, na demanda pela instalação de Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, um instrumento legal de defesa do que as lideranças locais consideram ser seus direitos territoriais.

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