top of page
Buscar

A PROBLEMÁTICA DAS COTAS RACIAIS ELEITORAIS NAS ELEIÇÕES DE 2022

Aumento do número de candidatos negros eleitos em 2022 chama atenção para a lisura do processo de autodeclaração no site do TSE

Ilustrações: Leandro Bender

UPAON AÇU- O debate sobre ser negro no Brasil ganha mais uma camada de discussão com as cotas raciais eleitorais em vigor nas eleições de 2022. A Emenda Constitucional nº 111, de 29 de setembro de 2021, em seu artigo 2º, determinou que para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro.


A medida, em linhas gerais, designa que mulheres e negros terão mais recursos do fundo partidário de acordo com o quantitativo de votos que receberem. Uma política inclusiva e afirmativa que tem por objetivo ampliar o número de mulheres, negros e negras na representatividade política brasileira.


Para o advogado e Presidente da Comissão de Direitos Humanos (OAB/MA), Presidente da Comissão de Igualdade Racial (ABRACRIM/MA) e militante do Movimento Negro Unificado (MNU-MA), Erik Moraes:



Foto: Divulgação

A importância das cotas raciais no sistema eleitoral, que foi aprovado em 2019 e só passa a vigorar em 2022, é de fundamental importância, ao trazer a relevância da política pública no enfrentamento da segregação dessas minorias por fatos históricos e traz um real sentido de reparação



Por coincidência ou não da emenda, tivemos nestas eleições, segundo dados disponíveis na plataforma do TSE, 50,27% de candidatos e candidatas autodeclarados negros, dos quais 14,12% são pretos e 36,15%, pardos, número que superou o quantitativo de candidatos e candidatas autodeclarados brancos (48,2%). Um aumento socialmente significativo, se considerarmos que no Brasil a maior parte da população é autodeclarada preta ou parda, segundo o IBGE.


Porém, a realidade da representatividade racial política do nosso país apresentava-se de forma contrária até a última eleição geral, de 2018. A autodeclaração de raça é um recurso presente desde as eleições de 2014 e, de lá pra cá, essa é a primeira vez que o número de negros supera o de brancos.


Erik Moraes ressalta, contudo, que a gente tem um bloqueio em relação ao protagonismo das candidaturas negras. Temos um número grande de candidatos, mas não temos vitória. E, se a gente não tem vitória, não temos representação.


OS NOVOS NEGROS DO MARANHÃO


Dos quase 15 mil candidatos e candidatas que se autodeclaram pretos ou pardos, alguns casos ganharam a mídia, como o do candidato ao governo da Bahia Antônio Carlos Magalhães Neto, o ACM Neto (União), que se autodeclarou pardo em 2022. O candidato sofreu duras críticas e tentou rebatê-las, acusando erro na classificação do IBGE e que a forma como ele lê a si mesmo é suficiente para atestar a verdade sobre sua raça.



No âmbito maranhense, também tivemos um número expressivo de pretos e pardos concorrendo a cargos políticos nestas eleições. Ao todo, foram 53,81% de candidaturas pardas, 16,48% pretas e 29,09% brancas. Em 2018, tínhamos 48,12% pardos, 13,44% pretos e 38,07% brancos. Até aí, nada questionável, posto que somos um dos estados com maior população negra no Brasil. Apenas São Luís é a segunda capital do Brasil com o maior percentual de pessoas negras.


Entre os eleitos, por exemplo, dos 18 deputados federais do Maranhão, 11 são autodeclarados negros (pretos ou pardos). A novidade é que destes, 4 mudaram de cor de 2018 para 2022, conforme observamos na tabela abaixo.


Ilustrações: Leandro Bender


A questão que fica é: consciência de raça ou oportunismo?





Deputado Federal

Autodeclaração 2018

Autodeclaração 2022

Detinha (PL)

Branca

Parda

Josimar Maranhãozinho (PL)

Parda

Parda

Pedro Lucas Fernandes (União)

Parda

Parda

Juscelino Filho (União)

Branca

Parda

André Fufuca (PP)

Parda (branca em 2014)

Parda

Aluísio Mendes (PSC)

Branca

Branca

Marreca Filho (Patriota)

Branca

Branca

Júnior Lourenço (PL)

Parda

Parda

Amanda Gentil (PP)

não consta declaração anterior

Parda​

Márcio Jerry (PCdoB)

Parda​

Parda

Roseana Sarney (MDB)

Branca

Branca

Fábio Macedo (Podemos)

Branca

Branca

Duarte Junior (PSB)

Branca

Parda

Rubens Júnior (PT)

Branca

Branca

Josivaldo JP (PSD)

Preta

Preta

Cleber Verde (REPUBLICANOS)

Branca

Parda​

Pastor Gil (PL)

Parda

Preta

Márcio Honaiser

Branca

Branca

Tabela produzida pelo Rumbora Marocar com informações do site Divulga Cand, TSE.


A mudança de cor destes candidatos, além da motivação financeira dos orçamentos partidários, desenha o racismo estrutural e científico pela falta de conhecimento e direitos etnico-raciais. Isso tudo contribui mais ainda para implementação de políticas públicas de maneira abrupta, ou seja, sem consultar o movimento negro e a sociedade civil, observa Erik.


Segundo o Estadão, ao todo, 33 candidatos a deputados, candidatos à reeleição, mudaram de cor nas eleições deste ano, o que acende uma série de problematizações sobre as cotas raciais eleitorais e a principal delas é a possibilidade de fraude na autodeclaração para desviar os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.


A exemplo do que aconteceu no Brasil, no Maranhão, essa é a primeira vez, desde 2014 - quando o registro da autodeclaração foi incluído na ficha das candidaturas - que candidatos negros são a maioria dos eleitos. Segundo plataforma do TSE, em 2014, foram eleitos 73% de candidatos brancos, 19,23% de pardos e 7,69% pretos. Já em 2018, eram 66% brancos, 30% pardos e 4% pretos. Neste ano, tivemos 48% brancos, 46,21% pardos e 4,44% pretos eleitos no estado.


Um dado que poderia ser um avanço real na representação das comunidades negras dentro da política estadual, mas foi deturpado por falta de fiscalização e maior rigor dos órgãos competentes.


Para o advogado e ativista negro Jackson Almeida,

Foto: Arquivo Pessoal




essa falta de lisura no processo eleitoral enfraquece o debate racial já que o interesse político, na minha concepção, é mais valorizado do que as Políticas de Cotas Raciais.








Isto alerta para a necessidade de o TSE e as regionais determinarem ações de verificação da autodeclaração para validar o processo que se quer inclusivo e afirmativo para a população negra.


POR QUE SÓ A AUTODECLARAÇÃO NÃO BASTA?


Recentemente, a Universidade Federal do Maranhão investigou cerca de 452 denúncias sobre fraudes nas cotas raciais de acesso à instituição. Os denunciados foram convocados para entrevistas individuais com uma comissão especializada para atestar ou não a conformidade do indivíduo com a vaga.


Uma das medidas encontradas para contornar e evitar fraudes em processos dessa natureza é a formação de uma comissão ou banca de heteroidentificação que valida a autodeclaração, quando necessário.


A heteroidentificação é um processo de identificação a ser realizada por outro dentro de uma percepção social diante da sua autodeclaração. Ou seja, ela é uma ferramenta de controle e fiscalização dentro das políticas de cotas. O seu trabalho de prevenção é justamente inibir e identificar as fraudes nas cotas, explica Jackson, que também participou da banca especializada para avaliar as denúncias no episódio da UFMA citado acima.


O Livro Heteroidentificação: dúvidas, metodologias e procedimentos, publicado pelo IFRS Canoas, em 2018, explica que a heteroidentificação é um procedimento complementar a autodeclaração - que é legítima, mas precisa ser validada no intuito de dissipar dúvidas e corrigir eventual autoatribuição identitária equivocada.


É inegável que a medida da emenda constitucional visa aumentar a representatividade feminina e negra no legislativo e executivo do Brasil, proporcionalmente aos dados demográficos que o IBGE apresenta, mas é preciso que o TSE acione junto à medida, estratégias para garantir que a política afirmativa seja efetiva para os públicos aos quais ela se direciona.


Erik conclui que é importante que esse orçamento chegue às pessoas negras, mas que dentro do partido aconteça uma superação do racismo estrutural para que a gente possa ter realmente a população negra representada.


UMA QUESTÃO DE AFRO-CONVENIÊNCIA?


Ilustrações: Leandro Bender

Um termo que emerge diante das possíveis fraudes nas políticas afirmativas de cotas raciais, comprovadamente presentes em outros certames, é a expressão afro-conveniência, que designa pessoas lidas como brancas, mas que se autodeclaram negras ou pardas para se beneficiar das políticas afirmativas de cotas raciais.


É um termo recente e fomentado pelas diversas denúncias que existem sobre brancos ocupando vagas em concursos públicos ou universidades destinadas a negros, que vem gerando um extenso debate sobre apropriação.


Para Lucas Café*, mestre em história social e pesquisador das relações étnico-raciais, o afroconveniente é quem quer ser negro apenas para querer utilizar direitos que foram criados para atender à população negra marginalizada e sub-representada historicamente". *Depoimento concedido originalmente à newsletter Nós Negros do portal Uol, publicada em 23 de setembro de 2022.


EM TEMPO: O QUE É SER NEGRO NO BRASIL?


Com uma população, originalmente, formada por brancos, negros e indígenas, no Brasil é adotado a idéia de birracialidade (preto e pardo) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na tentativa de abarcar as variedades entre os não brancos e não indígenas.


Segundo a pesquisadora Alessandra Devulsky, em seu livro Colorismo (2021), a adoção do termo pardo tenta contemplar o que a afrodescendência teria como condão de oferecer a negros de pele clara: um pertencimento à raça negra, uma vez que não são lidos racialmente como brancos, apesar de uma ascendência partilhada entre os dois grupos.


O termo pardo é associado à classificação “negro de pele clara” que advém, por sua vez, do colorismo e divide opiniões no movimento negro. Há quem considere um avanço no reconhecimento da identidade negra e há quem considere uma retroalimentação do mito da democracia racial.


O que também aproxima pretos e pardos no Brasil, não é só o pertencimento ao grupo racial negro. O acesso à educação, saúde, saneamento e outros serviços básicos de forma precarizada também os une. Uma condição social que reflete o passado (?) escravocrata que excluiu e ainda exclui a população negra no país.












bottom of page