A mineradora Vale, no Maranhão, foi condenada a pagar indenização em mais de R$ 178 mil reais por danos morais e materiais ao ferramenteiro Marco Antônio Melo de Matos por discriminação de funcionários da empresa em razão de sua orientação sexual.
UPAON AÇU - Na primeira audiência realizada em julho de 2021, o conjunto de provas demonstrou a exposição do empregado a reiteradas situações vexatórias que levou à condenação da mineradora, que ainda pode recorrer da decisão
A mineradora Vale, no Maranhão, foi condenada a pagar indenização em mais de R$ 178 mil reais por danos morais e materiais ao ferramenteiro Marco Antônio Melo de Matos por discriminação de funcionários da empresa em razão de sua orientação sexual. A ação trabalhista, de julho de 2021, foi movida pelo escritório de advocacia Almeida e Teixeira, localizado no centro da capital maranhense. O empregado quer a reintegração na empresa.
Marco, 39 anos, foi contratado pela empresa em janeiro de 2012, no cargo de auxiliar técnico de manutenção, admitido na cota de vagas para pessoas com deficiência. A rotina do funcionário era no setor da oficina central da mineradora, um ambiente com presença masculina maior que a feminina, e que se tornou um lugar de constante exposição a vexames, xingamentos e ofensas.
“Entrei na empresa com a melhor das expectativas de crescimento profissional. Trabalhei em outros lugares em cargos na área administrativa, tecnologia e processos eletrônicos. No começo, minha rotina era tranquila e eu convivia em harmonia com meus colegas de setor”, disse.
União estável e o início das importunações
Um fato específico mudou o tratamento dos colegas com o funcionário. À época, Marco convivia em união estável com outro rapaz e pediu a inclusão do companheiro nos benefícios que a empresa oferecia, como plano de saúde, auxílios e outros direitos. A partir daí, seus supervisores diretos passaram a assediar constantemente o funcionário com chacotas, ironias e comentários relacionados com as roupas e o cabelo do empregado.
No processo, a vítima alegou que as violências foram crescendo e que o gestor da equipe, além de ignorar os abusos, também passou a integrar os episódios de discriminação associando a orientação sexual do empregado com incompetência. Em maio de 2019, os dois tiveram uma discussão e Marco chegou a ser ameaçado com uma fenda de metal usada na oficina. Ele ainda procurou o setor de Recursos Humanos, mas a empresa não tomou nenhuma atitude. No mês seguinte, a vítima foi punida com a demissão.
"Depois que deixei bem claro minha orientação sexual e que era casado todos os comentários direcionados a mim eram associados com a minha homossexualidade e isso passou a atrapalhar meu desempenho. Meu supervisores diretos, que são evangélicos, me chamavam de soldado e que eu tinha que me comportar como um homem. Outra retaliação foi ter mudado meu turno de trabalho para não conviver com os colegas que eu tinha mais afinidade”, pontuou Marco.
A Vale e suas medidas
A Vale tem um Canal de Denúncias para reportar qualquer tipo de desvio de conduta. E, três anos depois da demissão do Marco, divulgou um Canal de Acolhimento para casos específicos de assédio sexual e discriminação. De acordo com informações no site noticias da mineração, em 2021, foram confirmados 11 casos de assédio sexual no brasil e três de discriminação, que resultaram em desligamento ou desmobilização de funcionários. A empresa lançou no mesmo ano o Relatório do Programa de Ética & Compliance e mantém ainda um programa de Orgulho LGBTQI+ que pauta ações de conscientização e respeito à orientação sexual e diversidade de gênero.
Ainda assim, casos como o do Marco Antônio continuam acontecendo. A decisão de entrar na Justiça e exigir a reparação de direitos foi uma atitude que o funcionário demorou a ter por muito medo, trauma e por não ter recurso financeiro. Em julho de 2021 ele encontrou apoio e acolhimento com a equipe do escritório Almeida e Teixeira.
“Na época, estávamos no auge da pandemia e era difícil manter o contato com o setor jurídico do sindicato para onde fui orientado. Em outro momento, cheguei a procurar outros advogados, porém nenhum deles demonstrou interesse no meu caso”, falou Marco.
A Ação Judicial
O advogado que acompanha a ação judicial, Jackson Roger, explica que existe um prazo de prescrição de ações trabalhistas contra atos de discriminação, de até 02 anos após a demissão. O escritório Almeida e Silva é especializado em ações trabalhistas, como também em ações focadas em Direitos Humanos e Sociais na defesa de empregados, comunidades tradicionais, cooperativas, sindicatos, de pessoas que precisam ter acesso à Justiça e que geralmente estão desamparadas.
“Marco nos procurou faltando 01 mês para o prazo de prescrição. Entramos com o pedido em julho do ano passado e já foram realizadas duas audiências. A primeira, de conciliação, na qual a empresa alegou não haver nenhum tipo de discriminação. A segunda, foi a audiência de instrução com o depoimento do empregado, representantes da empresa e testemunhas”, explicou.
Jackson Roger ressaltou também que o escritório mantém muitos casos de ação na Justiça contra a Vale por discriminação, danos morais e assédio moral, mas que esse é o primeiro associado ao crime de homofobia. Geralmente, crimes desse tipo dentro de instituições e grandes empresas são difíceis de obter provas pela ausência de câmeras em alguns locais, gravação de áudios e até de testemunhas dispostas a participar das audiências pelo medo de represália.
“Os canais de denúncia da mineradora são falhos, como ficou provado no processo, porque não possuem transparência e só favorecem apenas a própria empresa. E mais: a vítima é que tem que provar o ocorrido. A Vale é uma empresa que defende a ideia de acolhimento à diversidade em campanhas de publicidade e programas institucionais que acaba enfraquecendo a defesa de quem sofre a violência, respaldada ainda por ter à disposição grande escritórios de advocacia que trabalham para resolver os casos sem respeito à dignidade do empregado e sem punição aos gestores responsáveis pelos atos discriminatórios”, pontuou Jackson.
Sobre o processo judicial - A juíza da 4ª Vara do Trabalho de São Luís, Maria da Conceição, reconheceu a nulidade da demissão do empregado e condenou a empresa a promover a reintegração de Marco ao quadro de funcionários, com todos os direitos decorrentes do tempo em que ficou afastado do cargo, incluindo o pagamento de salários, PLR, FGTS, cartão alimentação, além de indenização no valor correspondente a vinte vezes o salário do ofendido pelos danos morais e atos discriminatórios/homofóbicos cometidos pela mineradora. A Vale ainda pode recorrer da decisão.
Danos psicológicos - A exposição a esse tipo de violência deixou sequelas emocionais para Marco Antônio.
"A minha vida foi ficando muito complicada depois desse caso. Até hoje eu sofro com problemas de preconceito, qualquer pessoa que me olha com indiferença eu crio um bloqueio e autodefesa que eu não tinha antes. Tive depressão, vendi alguns bens para sobreviver e não tive suporte de assistência psicológica. Minha família foi quem me ajudou. Tinha dias que eu não queria sair de casa”, relatou a vítima.
O advogado do empregado reforça ainda a importância da luta por direitos humanos em causas contra grandes empresas. “É importante divulgarmos ações dessa natureza para que a população entenda que é possível e que é urgente as pessoas serem respeitadas em seus direitos. A reforma trabalhista de 2017 deixou ainda mais difícil a busca pela reparação porque em caso de perda da causa, a vítima é condenada a pagar os honorários do advogado da empresa e levar à frente uma ação contra empresa multinacional é uma luta em nome de todo um coletivo”, comentou Jackson Silva.
Para Marco Antônio, o valor patrimonial é importante tanto quanto a reparação de direitos.
“Eu só quero ter respeito. O comportamento não era de todos os funcionários. Mas de funcionários que causaram a minha demissão. Espero que a empresa possa pensar uma forma de inclusão e reintegração porque acredito na mudança. Em minha vida, foram sonhos interrompidos”, pontuou.
Como Denunciar
O crime de homofobia é uma violação de direitos humanos. Existe um canal de denúncias que funciona 24h por dia, o Disque 100 e atende graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes e possibilitando o flagrante. Qualquer pessoa pode reportar alguma notícia de fato relacionada a violações de direitos humanos, da qual seja vítima ou tenha conhecimento.
Igor Farias, representante da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/MA, ressalta que desde 2019 existem mais de 40 casos registrados de LGBTfobia, que vão desde uma violência simbólica até violências mais extremas, como casos de homicídio em razão da sexualidade ou identidade de gênero.
“Nossa atuação é bem orgânica e trabalhamos com o que chamamos de subnotificações dos crimes lgbtfóbicos, uma vez que inexiste mecanismos, tanto no estado do Maranhão quanto a nível nacional, que pormenoriza os casos e registre esses crimes. A primeira etapa é reunir o máximo de provas possíveis para comprovar a materialidade da lgbtfobia. Sabemos que não é uma tarefa fácil reunir provas num ambiente de trabalho ou de forma institucional, mas o celular se tornou uma das grandes ferramentas que pode comprovar a materialidade de um possível crime. O segundo passo é a realização de um boletim de ocorrência em uma delegacia especializada em crimes de LGBTfobia. Mas se não houver, vá até a mais próxima de sua residência e formalize o boletim para abertura de um inquérito policial e a investigação do crime”, finalizou.
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